O papel dos que obedecem
Havia um vilarejo numa região baixa, cercado por morros.
Do outro lado, ficava a cidade onde a maioria trabalhava.
Para chegar até lá, havia uma ponte.
Desde que podiam se lembrar, todos cruzavam a ponte de joelhos.
Sempre foi assim.
Ninguém sabia exatamente o motivo.
“É a regra”, diziam os mais velhos.
“Foi sempre assim.”
Certo dia, um jovem perguntou: “Por que atravessar desse jeito?
E se a gente simplesmente andasse… normalmente?”
Os olhares se voltaram para ele.
Duros. Cortantes.
“Você quer causar problema, rapaz?”
Os anos se passaram.
As pessoas começaram a ter dores crônicas, feridas nos joelhos.
Mas ainda assim, insistiam.
Caminhavam, todos os dias, ajoelhados sobre o concreto áspero.
Porque a regra mandava.
E ninguém, além daquele jovem, ousava perguntar por quê.
Obedecer é necessário para o convívio. Mas há regras que não foram feitas para proteger — e sim para controlar. Normas que permanecem não por justiça, mas por conveniência de quem manda. Às vezes, obedecer é reflexo de fé no sistema. Outras, é medo. Medo de perder o pouco que se tem. De ser punido, ridicularizado, rejeitado. É mais fácil manter a cabeça baixa do que levantar a voz. Mais cômodo se adaptar a uma lógica doente do que bancar o desconforto de enfrentá-la.
Todo sistema precisa de quem o obedeça para se manter de pé. E todo silêncio sustentado pelo medo alimenta uma engrenagem que corrói por dentro. Questionar não é desrespeito — é consciência. E, em tempos em que normas absurdas se disfarçam de bom senso, pensar por conta própria talvez seja o último gesto de liberdade que nos resta.

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