Sofrimento coletivo
Os grandes traumas coletivos costumam se esconder sob uma mesma palavra — sofrimento — mas nascem de feridas distintas.
Fome — Estômago Vazio
Há dores que se escondem dentro de nós, mas também há aquelas que tomam as ruas. Se por um lado existem dores íntimas, por outro, há dores compartilhadas — não por escolha, mas por condição. Não se trata de uma questão individual, é uma ferida coletiva. Já fui a restaurantes em que fiquei na dúvida sobre qual entrada escolher. Depois vinha o prato principal. A sobremesa. Isso não é um problema — o problema é outro. O problema é que, ao mesmo tempo, há pessoas que sequer têm uma única opção. Enquanto alguns escolhem, outros apenas sobrevivem.
Uma vez ouvi uma frase que me marcou: “Enquanto um não tem apetite para comer, outro não tem comida para o apetite.” A fome virou estatística. Mais de 27% dos domicílios no país sofre algum tipo de insegurança alimentar. ¹ O prato vazio não é exceção. É repetição, apenas número. E é ignorado.
Guerra — Bala Perdida
Se a fome atinge o estômago, a guerra atinge o corpo inteiro. Para muitos, ela é notícia; para outros, rotina. Aprendemos a escrever antes de aprender a nos abaixar para escapar de uma bala? Ouvimos mais o sino da igreja ou o alarme da sirene? Se a resposta for a primeira, que privilégio. Não gosto de ver notícias ruins — mas às vezes é preciso. Elas nos lembram de que o mundo vai muito além da bolha onde vivemos.
Exclusão — Muros Invisíveis
Quando não morremos de fome nem de bala, corremos o risco de sangrar na identidade. A religião é só um exemplo: Fulano acredita em X, Ciclano em Y, Beltrano em nenhuma. Tudo bem — ou deveria estar. Mas não está. Fulano grita: “Só o meu Deus é verdadeiro. Os outros são falsos. E na arena pública, a lógica se repete:
- “Essa esquerda vai acabar com tudo.”
- “Esses conservadores são o atraso do país.”
- “Quem não concorda comigo é burro.”
Em nome da verdade, cultivamos ódio. Em nome da identidade, criamos fronteiras. Em nome da certeza, excluímos. E toda exclusão, cedo ou tarde, vira dor. Ainda que não manche a roupa nem sangre Assim, vamos nos acostumando. Com o prato vazio, o som dos tiros e os muros invisíveis. A dor muda de forma, mas não muda de endereço. Ela está ali, sempre esperando um descuido para se revelar.peito sente.

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