A Cultura da Insensibilidade – Entretenimento como anestesia

A Cultura da Insensibilidade – Entretenimento como anestesia

O entretenimento como anestesia

Fim de semana na praia. O céu escurece e o som começa: luzes dançam no ar, drones desenham corações, artistas entram no palco com explosões sincronizadas. A areia vibra, a multidão canta em uníssono. Pelos stories, parece outra realidade. E de certa forma, é. Lembra daquela prefeitura que patrocina mega shows na orla? Não falta investimento para os fogos, para o palco, para o som. As aulas nas escolas foram canceladas por causa dos tiroteios. Falta esgoto tratado nos bairros onde as luzes do show não chegam. Enquanto o tiro ecoa nos becos, o drone sobrevoa a festa — e registra tudo. Não se trata só de música. É mais fundo. É cultural.

Não é errado buscar lazer. Errado é esquecer que a anestesia também tem agenda. O sistema segue intacto enquanto a ilusão de participação é alimentada com curtidas, indignações momentâneas, reels com trilha sonora melancólica. A dor é privatizada. O sofrimento, interiorizado. E o que deveria nos unir — a ausência de justiça, de futuro, de descanso — vira problema individual.

A escola ensina a repetir, não a imaginar. Treina para o mundo como ele é — não para o que ele poderia ser. A mente se embriaga de conteúdo, mas não pensa. O cansaço é normalizado. A pressa, elogiada. Ninguém questiona por que estamos sempre exaustos. Só segue. Produz. Posta. Dorme mal.

A autenticidade se dilui. O sujeito performa tanto — para agradar, para encaixar, para seguir tendência — que esquece de habitar a própria pele. É como se vestir para se parecer com alguém que nunca foi. E esquecer como era, antes, quando ainda vestia a si mesmo. E da anestesia, floresce — paradoxalmente — a arte do remendo. A expressão tímida de quem, mesmo sem saber como, ainda tenta costurar sentido em meio ao caos.

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